sábado, 7 de junho de 2008

DISPUTAS

Tentava mais uma vez um cargo para aquela empresa. O mercado de trabalho estava difícil, concorrido. No final da faculdade descobrira que aquele diploma nada servia. Valeria mais ter conhecido gente influente na sua área, talvez até um presidente da república. Ainda assim, estava lá, sentada em uma cadeira desconfortável, em frente a um relógio de parede que teimava em fazer tic... tac...

Mais uma seleção, mais uma entrevista, mais uma... Olhava todos e pensava: "Quem estaria pior? Quem estaria melhor?" Estavam nadando em um mesmo barco, no mar da realização profissional. Cada um com um destino, com uma meta, com uma linha a seguir. Alguns deles seriam grandes homens de sucesso, outros descobririam que a vida lhes foi injusta no final do ano. Mas, ali, as esperanças eram as mesmas, os rostos novos eram os mesmos, os olhares ansiosos por atenção eram os mesmos.

tic...tac...tic...tac...

Quando disseram que era para crescer? Quando tiraram das suas mãos as Barbies que ela sonhava em ser? Seu relógio não computou o tempo passando e te enfiando no meio de tantas responsabilidades. Ontem tinha 11 anos e aprendia a beijar. Ah, não deveria ter dado aquele beijo! Foi ele quem a colocou no mundo de gente grande... Mundo onde não se beijam com almas, não se enxergam com almas. Sentia-se perdida no imenso espaço entre sua vida de estudante e o tabuleiro de xadrez no qual encontravam-se os candidatos. O melhor vence! Todavia, quem parece o melhor?

tic... tac... tic... tac... tic... tac...

Continuava em um surto temporal. Mas não era momentâneo, como esperava-se. Havia um grito sufocado por ter crescido cedo demais pras coisas da vida. Não tinha culpa, de certo, mas reclamar não devolveria sua infância. Não seria bom para um currículo começar desabando em lágrimas.

Um ser extremamente passional, frio e irritantemente quieto chamou seu nome para dirigir-se àquela sala. Nas indagações de onde havia estudado, o que ela estava fazendo e o seu real objetivo profissional, ela explodia. Perguntas simples que não descreveriam sua competência. Se respondesse muito, corria o risco de parecer extrovertida demais, se sua respostas fossem curtas talvez fosse tímida e instrospectiva. Objetivamente, não dava pra avaliar quem ela era, seus gostos e suas dedicações. Não dava pra saber se ela era pontual e quanto a empresa cresceria com seus conhecimentos. E ele, por mais que mostrasse suas habilidades de conhecedor da mente humana, não tinha idéia de quantas coisas ela estaria almejando antes do seu "muito obrigado".

O dia acaba e seus apelos permanecem em cima da mesa do escritório, em um canto qualquer. Ela deveria ter aprendido na escola que no mundo de gente grande é complicado brincar de querer ser alguém.

tic... tac...

49 comentários:

Noslen ed azuos disse...

Olá Auréola Branca!

Bela descrição de um momento que acredito eu que a maioria dos mortais já passou, e o bom é que passa, às vezes demora, mas passa.
Eu particularmente sofria muito com entrevistas, parecia tudo muito artificial, sorrisos falsos sempre me matou, no caso prefiro as lágrimas. Preferiria suas lágrimas, mas no tabuleiro da vida infelizmente temos que mostrar nossas garras.

vários bjs.

NS

Cris Medeiros disse...

Lindo texto! Muito bem escrito!

Tenho uma pessoa próxima que passa por isso, é difícil e injusta esta disputa!

Beijos!

Pena disse...

Simpática Amiga:
Um texto admirável sobre a dureza e crueldade da vida. Uma infância que "cresceu" e se fez gigante.
Injustiças que o mundo tece.
Gostei imenso.
Amarguras de uma entrevista sobre o desencanto do sentimento e maravilhosa presença que incompreendida faz crescer, faz adultos em corpo e Alma antes do tempo próprio e os decora ternamente. Vidas compostas de sonhos infantis doces e sentidos.
Beijinhos amigos de estima e respeito.
Sempre encantado pelo talento a que dá viva voz.
Com consideração e admiração pelo que faz.

pena

Paulo Tomás Neves disse...

tic... tac...
o mundo dos adultos é muito aborrecido
tic... tac...
e a mania que eles têm de usar relógio
tic... tac...
e a vida que não se compadece com relógios digitais
tic... tac...
o tempo que se perde tentando controlar o tempo, os tempo, a vida (enquanto esta vai passado e há quem esqueça que o que realmente conta é incontável)

jo ra tone disse...

"Hoje muitas vezes a imagem vale mais do que a marca".
Quantas vezes não se compra a embalagem e não o produto?
Cada vez mais na sociedade de consumo , o belo é tocante.
Isto acontece nas entrevistas por onde os nossos jovens recem-formados passam.
Infelizmente.
Bjo
Bom domingo

Sei que existes disse...

Infelizmente esta é uma realidade bem presente na actualidade.
Beijocas

Anna Carolina ; disse...

O mundo de hoje está muuuito dificil de conseguir um bum futuro ..
seja com estudo, ou não .
Será que ela conseguirá o emprego ?

oceanus disse...

...nos dias de hoje já é difícil conseguir uma entrevista...
Bem conseguido o teu texto...

Há uma mensagem para ti no Oceanus...

bjs do fundo do Oceanus

Zek disse...

Esse velho " mundo de gente grande" com seus problemas, suas dores e suas delicias.........

Seus olhos continuam sedutores.
Bjs

MaxReinert disse...

Pois "Auréola"...

Assim como seu personagem, também eu tenho dificuldades em adentrar o mundo dos adultos... não porque seja difícil (afinal, viver é difícil!)... mas porque esse mundo, as vezes, esconde coisas que eu não gostaria de saber...

Assim como o Frank, tbm sou feito de milhares de pedaços dos outros... mas tento me tornar inteiro (sempre!) a partir dos fragmentos que vivo...

Mesmo esse último que passou deixou coisas (boas e más, como sempre!)... mas o que é pior (em minha opinão!) é que deixou muitas dúvidas... principalmente em relação á mim e ao mundo...

Triste final para algo que poderia ter sido tão bom... mesmo à distância!

poetaeusou . . . disse...

*
prosa real,
na realidade da vida
,
bem-hajas, amiga,
,
conchinhas
,
*

Éverton Vidal Azevedo disse...

É o retrato do que às vezes sentimos nesse mundo competitivo.

Belo texto.
Inté!

Justine disse...

Este mundo, um tabuleiro de xadrez, onde é preciso aprender muito bem as regras. E mesmo assim, quantas vezes se perde...
Mas é isso crescer, e viver.
Abraço

Fernando Amaral disse...

Esse relógio ainda seguirá ... tic e tac... por um bom tempo...

pin gente disse...

acontece com tantos
tantas vezes
quando nada acontece
acreditamos que será na próxima

abraço
luísa

MIG-L disse...

Uma grande e dura realidade...

Estrela do Sul disse...

O melhor na Amizade...
é que podemos não concordar com tudo,
mas continuamos sempre amigos.

Uma optima semana

Bjinho amigo

Mario Rodrigues

http://toquedeestrela.blogspot.com
http://sensualidadeemletras.blogspot.com

Panda disse...

poutz
me identifiquei bastante com esse texto (tirando a parte da barbies)

to passando por esse tipo de afliçao constantemente

bom, passando aki tb pra retribuir a visita la no meu blog

http://terradafenix.blogspot.com/

ex-amnésico disse...

Olá, Auréola Branca.

Digo-te(ops!)... melhor não começar assim, concorda?rs

Um ser sem memória cria suas recordações a cada vez que precisa delas, sem ligar muito se elas aconteceram assim ou não e nem mesmo se chegaram a acontecer (afinal, uma história é apenas a versão vencedora entre tantas outras...).
Também vive se surpreendendo com as coisas menos surpreendentes. É por aí.

***

Você expôs muito bem o dilema humano que a necessidade cria, qual seja, deixar a humanidade de lado na busca do sucesso.
Se eu pudesse dar uma sugestão seria: 'seja alguém que brinca de ser gente grande...'

Agora você tem mais um olhando; como não posso confiar na memória, ponho uma seta apontando pra cá!
;)

Abraços mnemônicos.

Alda Inácio disse...

Muito sensível querida Aureola Branca, vim te ler e gradecer a segunda gentil visita. Você é muito atenciosa.
Este texto deixa uma vontade de ler o próximo capítulo.É uma crônica com sabor de novela. Muito interessante.Você prende a gente. Voltarei sempre que possível, pois é um prazer te ler.Tic Tac
Grande abraço.
Alda Inacio

Anônimo disse...

linda conterrânea!

obrigada pela sua visita,ja linkei vc no meu blog,pois amei o seu!

apareça!

Valhalla disse...

Sou suspeito pra dizer, mas acho que sempre há espaço pra uma criança entre a gente grande.

^^

Até!

Gustavo Martins disse...

Mamilos brancos:

Obrigado pela visita massiva ao MCP. Agradecemos por seus comentários. Alguns comentários sobre lá e aqui:

1) Começou a beijar cedo, hein?

2) Entrevistas de emprego são a sublimação da hipocrisia ao cubo. Os dois lados mentindo, fazendo de conta que aquilo vai resultar em alguma coisa positiva. Jamais. Naz melhor das hipóteses, quando o sujeiro é contratado, o que vem depois é um processo bilateral de exploração. O MERCADO DE TRABALHO É UM VERDADEIRO AMBIENTE DE FAZ-DE-CONTA.

3) Se quiser, explicamos para você as palavras que não estão no dicionário; de resto, as respostas aos estão lá, ok?

Beijos nos olhos

Anônimo disse...

Que blog maravilhoso!
Escrita irretocável!
Beijos!!!!!!

Ela disse...

Eu lhe diria que a gente sente , angústia parecida, aquela de apresentar os dotes, em uma simples entrevista, não parecer demais , nem de menos...Isto não é nem fácil e você descreveu muito bem, aliás como sempre.

Mas.... o que eu queria lhe dizer mesmo , mesmo, é que alguns adultos beijam com a alma... e nos tocam profundamente... são poucos, talvez( ) mas são insubstituíveis.



Grande abraço querida!

Alberto Oliveira disse...

... as coisas cada vez se complicam mais neste mundo de competição desenfreada. É preciso ser frio e oportuno para não deixar escapar a mínima chance de colocação.
Se eu fosse director de recursos humanos de uma multinacional, tinhas lugar garantido: escrevendo o "diário de bordo" da companhia...


abraço e sorrisos.

Flávia disse...

O mundo de gente grande é assim, assustador e fascinante. Depois de muitos arranhões e feridas abertas, a gente aprende a matar um leão por dia.

Muito gostoso seu blog.

Beijos ;)

Camila disse...

"Ela deveria ter aprendido na escola que no mundo de gente grande é complicado brincar de querer ser alguém."

Que texto maravilho, moça!
Lindo mesmo... muito bem escrito!
Gostei bastante do seu espaço!

Beijo
=)

Anônimo disse...

Como te entendo. Tirei o curso de Psicologia e agora faço uma coisa totalmente diferente. Eu consegui passar por cima da decepção e procurei outro emprego, mas tenho amigas que ainda estão em casa.
Força, linda.
beijocas.

Daniel Aladiah disse...

Faz tudo parte do crescimento... não desistas de ser a criança que encerras dentro de ti, mas não vires a cara à vida que todos assumem como de adulto...
Um beijo
Daniel

Antônio J. Xavier disse...

Eu que ainda vivo no limbo entre o acadêmico e o profissional bem sei dessa brincadeira de "ser gente grande" e "alguém na vida"...
É barra mesmo.
Adorei a construção do texto, com idas e vindas e um relógio ao fundo dando o suspense do tempo que se esvai...

Antônio J. Xavier disse...

Voltando ao assunto... vc acha que aquela garota pode ser alguém que conheci em outros tempos?
A questão dos sonhos é interessante por isso... eu convivi durante um tempo com ela... mas já fazem 15 meses que nem sequer nos vimos... e ainda sonho com ela regularmente... e alguns sonho são bem reais (voz, cheiro, essas coisas...)
Ela é noiva... e de um relacionamento já consolidado... temos conhecidos em comum então sempre sei o que acontece com ela, mas para evitar dores maiores me afastei... por um questão de respeito ao relacionamento que ela tem...
Sei lá... é complicado viu...
Bjosss
E obrigado pela delicadeza comigo...

O Pinoka disse...

E o pior é que cada vez as salas estão mais cheias e os relógios aceleram o tic tac.
Um sufoco para quem precisa de emprego.
Beijinhos

Um Poema disse...

...
Excelente reflexão. Espelho, afinal, do dilema de crescer, que a todos atinge, ou atingiu.

Um abraço

Anônimo disse...

Querida é complicada a vida dos adultos mas o que importa é que façamos em cada dia o melhor que conseguimos. o resto virá depois...
boa sorte!

Bill Falcão disse...

Taí muito bem colocado o tabuleiro onde se joga o destino das pessoas que precisam "crescer"...
tic tac tic tac.......
Bjoooooooosssssssssss!!!!!!!!

•Natalinha• disse...

nem me fala,é esta a minha vida atualmente!
e claro,pode passar sempre no meu blog amiga!

bjs

•Natalinha• disse...

amiga,visite tb
http://aquiobabadoehcerto.blogspot.com/

ja te relacionei nos meus contatos do blog...e obrigada por me relacionar aqui no seu^^

bjs

Anônimo disse...

Vim só deixar um beijinho

Carlos Ramos disse...

Andamos todos � espera que algu�m nos salve de n�s pr�prios e da vida que o mundo nos concede, mas a arte e neste caso a escrita poder� ser aquilo que nos transporta l� para cima e nos abre a "Veduta" como uma janela pintada pelos artistas Venezianos. Nesse particular pintas muito bem. Tenta aproveitar as dificuldades para realizares a tua obra.

Bj.

Anônimo disse...

Belo texto! Gostei muito dessa parte''...Mundo onde não se beijam com almas, não se enxergam com almas...'' Simplesmente belo! bjosss

Glé disse...

Amei seu blog nossa muito bom aki
Parabéns tbm adorei as musicas rsrsrsrs
bjim fica com DEUS

Dr. Fácil disse...

É mesmo. O tempo voa mesmo com a gente parado. Às vezes nossos 'tic-tacs' podem se tornar pouco valiosos. Enquanto isso acontece não é nada legal... Nem para sempre. Beijos!

Anônimo disse...

Teu jeito de 'contar histórias' me encantou! Sabes bem retratar o cotidiano, infiltrar-se no coração humano, extrair do mais profundo da alma sentimentos e emoções, e transformar tudo em textos de profunda sensibilidade. Parabéns pelo teu espaço tão bem construído!

Deixo flores e estrelas enfeitando os teus sonhos, e um beijo no coração!

Anônimo disse...

Belo texto.A vida é dura ... Infelizmente.
Hoje eu estava pensando sobre isso, tem gente que tem sorte; conhecemos qd colegas , são mediocres mas a vida os coloca lá em cima enquanto outros não conseeguem.Mistério.Mas é tocar para frente.

Unknown disse...

Ei Auréola, eu sou essa pessoa aí!
Posso copiar(c/ créditos) e publicar no meu blog qualquer dia desses?

Vc escreve muito bem, todos devem dizer isso, mas é mais pura verdade.

Beijinhos

Bandys disse...

Oi
Por isso que nunca deixo minha criança de lado.
Belo texto

Beijos

Alessandra Castro disse...

Detesto disputas, mas para o bem ou para o mal elas nos tornam mais fortes a cada dia que passa.

Sr do Vale disse...

Em mim isso soa indubitavelmente dentro dos personagens que representamos a cada momento.
O Sr. do Vale que conheces é sem dúvida nenhuma é sensível a arte, a natureza, as coisas simples e magnéticas, mas o outro indivíduo que o carrega, é um operário da sociedade, que teme o confronto de uma entrevista, que sem dúvida não saberá dizer que sabe muito e é seguro profissionalmente, e será avaliado, com perguntas infundadas.

Partilho com você desse dástrico momento em xeque.

Por outro lado o Auréola e Sr. do Vale, já tem o espaço garantido e independente dos recursos financeiros, os recursos gerados pela arte, de escrever, desenhar, ou qualquer outra, são perenes.

Abraços.